quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A sexualidade na obra de Egon Schiele

28/Dez/2012 por D.X**

Se observarmos o trabalho do pintor austríaco Egon Schiele (1890-1918) há uma poética de sexualidade e morbidez. Ele morreu precocemente, mas teve reconhecimento artístico ainda em vida na cidade de Viena sob apoio do artista Gustav Klimt.
Em sua obra vemos um alto teor de erotização em telas pintadas como um esboço – como se sua obra fosse um produto inacabado.

Egon Schiele, Desenhando um Modelo Nu em Frente a um Espelho, 1910 (plumbagina 55,2 x 35,3 cm)

Podemos tentar compreender estas características na obra de Schiele, revirando algumas breves ideias do também austríaco Sigmund Freud, que já divulgava sua psicanalise mundo a fora na época em que o pintor desenvolvia sua poética.
Schiele conheceu Viena em 1906 quando aprovado na Academia de Belas Artes. Antes disso, era só um garoto que se refugiava em seus desenhos, quando frequentava a escola secundária em Krems, também na Áustria. Todavia foi no final do século 19 que o ambiente artístico da capital da monarquia do Danúbio evidenciou-se graças ao quadro Jovem Rapariga sob uma Cerejeira de um artista chamado Engelhard, que provocou escândalo por ser uma representação de nu posto diante da pudica audiência feminina.
Quatro anos após o escândalo, em 1897, Gustav Klimt e outros artistas vienenses fundaram a Secessão de Viena exigindo a “abolição da distinção entre arte mais elevada e arte menor, arte para ricos e arte para pobres”, declarando a arte como propriedade comum. Este grupo além de trazer exposições de pintores impressionistas, englobou todas as áreas artísticas, trabalhando com escritores e músicos austríacos de renome.
Klimt ao conhecer o jovem Schiele de dezessete anos, ofereceu-lhe todo seu apoio até o fim de sua vida, influência notada nos óleos sobre tela do então rapaz. Outro detalhe interessante é que a maioria dos desenhos do jovem pintor, caracterizados como estudos sobre o corpo humano, eram assinados como obras de arte terminadas, enquanto para Klimt estes estudos preliminares serviam apenas de base para as pinturas a serem concebidas. Aos dezenove anos, Schiele abandonou a academia e criou o Grupo de Arte Nova se opondo ao academicismo e dando início a um novo período em seu trabalho.


Egon Schiele, A Maliciosa (Gertrude Schiele), 1910 (guache, aquarela e carvão com realce em branco 45 x 31,4 cm)

Neste novo período Schiele inicia os estudos de nu, tendo como primeira modelo sua irmã Gertrude, quatro anos mais nova que ele. Mais tarde todas as mulheres e modelos que passaram pela vida de Schiele se assemelhavam a sua irmã. Essa confrontação que começa com Gertrude procede com as jovens proletárias e prostitutas. Nos desenhos, Schiele cuidava para que suas representações batessem de frente com os tabus da época. Deste modo, o público vienense que presencia suas pinturas, designa-as como pornográficas e depravadas.
Schiele retratava suas modelos tão negligentemente que é de surpreender o impacto que as pinturas causavam. Entretanto é evidente que as poucas linhas que dão a noção do corpo representado são realçadas por cores vivas, exatamente em áreas erógenas convidando o espectador às partes mais íntimas e proibidas das figuras. A sexualidade na obra de Schiele não aparece somente na condição de voyeur, o artista que criou cerca de cem autorretratos também se põe na função de exibicionista, fascinado com sua própria sexualidade, representando-se nu, masturbando-se como se assinasse o atestado de superação da fase fálica descrita por Freud.
Tanto nos autorretratos quanto nas representações de suas modelos, os traços dinâmicos revelam seu encanto pela estrutura óssea, que articulam a expressão do corpo retratado com linhas firmes. Em contraste, os peitos, vulva e pênis parecem emergir carnudos com sua cor de ferida aberta. Nota-se também o tipo de estrutura física, estilizado -magro e esguio – opondo-se ao ideal burguês de beleza vigente na época, de mulheres bem nutridas e seios fartos.
A arte é reveladora dos desejos e da cultura dos povos desde os tempos da arte primitiva, com esculturas que reverenciavam corpo feminino, nu e símbolo de fertilidade, passando pelas pinturas de nudez feminina em proporções canônicas e também na quebra destes mesmos cânones pelos pintores do início do século 20. Desde o nosso inocente desenvolvimento psicossexual, esboçamos descobertas que serão revistas na vida adulta. Lidar com a sexualidade é uma forma de compreender-nos enquanto indivíduos. Compartilhá-la é apreender a coexistir num âmbito social, descobrindo os momentos de expô-la ou reprimi-la.
Para o artista a sexualidade não pode estar coagida, pois como é intitulada uma das obras de Schiele, pintada em 1912: Oprimir o Artista é um Crime, é Assassinar a Vida no Ovo!


**Esta é a data original de publicação num outro blog.

Referências:
ALMEIDA, Sullivan B. de. Percepções acerca de uma análise imagética de Fantoches da Meia-Noite, de Di Cavalcanti, e de “Marionetes do Kamasutra”, deEgon Schiele. Revista Trama Interdisciplinar. v. 2, n. 2, 2011, 131-155. Disponível em: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tint/article/view/4427. Acesso em 09/11/2012
DA MATA, Roberto. Você tem cultura? Jornal da Embratel. Rio de Janeiro, 1981.
BELTING, Hans. Arte Universal e Minorias – uma nova geografia da história da arte. In: O fim da história da arte. São Paulo: Cosac Naify, 2006. 95 a 104.
MEDNICOFF, Elizabeth. Dossiê Freud. São Paulo: Universo dos Livros, 2008.
MORAIS, Zita (tradução). Egon Schiele. Lisboa: Lisma, 2006.
VILLAÇA, Nízia. A MULTIPLICAÇÃO DOS CORPOS NA COMUNICAÇÃO ARTÍSTICA: Representação e Antropologia. Rio de Janeiro: UFRJ. Disponível em: http://www.pos.eco.ufrj.br/docentes/prof_nvillaca.html. Acesso em 09/11/2012

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