segunda-feira, 27 de abril de 2015

Antropofagismo no Brasil Holandês

Nos referimos como Brasil Holandês a região que se estendia do Rio São Francisco na Bahia até o Maranhão sob o governo de Maurício de Nassau, entre os anos de 1638 a 1654, também conhecido como governo nassoviano. Neste período comumente referido como invasão holandesa destaca-se o objetivo da Companhia das Índias Ocidentais de controlar os centros de produções açucareiras por meio de um bloqueio naval das praças-fortes da capitania de Pernambuco. Integrando a expedição de Nassau que desembarcou na costa brasileira em 1637, o pintor neerlandês Albert Eckhout realizou entre outras obras, pinturas de índios canibais chamados de Tapuias, durante sua estadia no Brasil.


Embora não existisse uma etnia Tapuia, esta expressão usada pelos Tupis e posteriormente apropriada pelos europeus, se referia à uma tribo identificada como Tarairiu, de conduta feroz e que não se integravam à forma de vida europeia. Seus hábitos antropofágicos se dão com a morte dos entes queridos, que ao invés de serem sepultados, eram cortados ou divididos minusculamente e devorados crus ou assados. Seus ossos reduzidos a pó eram misturados com farinha ou outros alimentos e seus cabelos eram dissolvidos em água e bebidos pelos seus parentes até a consumação de todo o cadáver. Para estes indígenas, era melhor conservar o amigo dentro de seus corpos do que soterrados no ventre da terra mãe.

Pouco se sabe sobre o artista que retratou estes nativos in loco, porém se criou um mito ao legitimar suas pinturas como registros fidedignos e representações fiéis do natural. Esta alegada exatidão etno-histórica é discutível, embora seja inegável o interesse de Eckhout em reproduzir a ferocidade destes guerreiros abrindo mão da beleza clássica renascentista ao mostrar corpos imperfeitos e rostos feios. Ao observar as pessoas, animais, plantas e objetos naturais, os artistas da Renascença alcançaram as características descritiva e naturalista por meio de técnicas sofisticadas e habilidades de representação ao passo que seus manuais de arte recomendavam esta preocupação. Já as imagens exóticas do neerlandês chocaram o público europeu e criou novas convenções posteriormente copiadas e adaptadas por outros artistas.

Os livros de hábitos também estabeleceram convenções para as pinturas sobre os índios do Novo Mundo e alguns dos elementos utilizados por Albert Eckhout já eram evidenciados em gravuras do século dezesseis. Porém a qualidade deste pintor não está no domínio das cores, nem no uso da perspectiva e muito menos na aplicação dos cânones aprendidos ao invés de se debruçar completamente na reprodução do natural, mas na gigantesca forma em que as telas abandonaram o modelo academicista da representação elegante e escultórica dos corpos humanos. As pinturas de grandes dimensões que originalmente decorariam a casa do Conde de Nassau foram presentadas ao rei Frederic III da Dinamarca na segunda metade do século dezessete e atualmente se encontram no National Museum of Denmark.


Referências:
Evaldo Cabral de Mello. IMAGENS DO BRASIL HOLANDÊS 1630-1654. São Paulo, 2009 (Artigo).

Yobenj Aucardo Chicangana-Bayona. ALIADOS NA GUERRA: OS ÍNDIOS DO BRASIL HOLANDÊS NAS TELAS DE ALBERT ECKHOUT (1641-1643). Londrina, 2005 (Artigo).


domingo, 19 de abril de 2015

Descobertas na Europa e no Brasil

Desde a Idade Média era comum viajantes contarem histórias acerca da existência de tesouros em países distantes. Entretanto, investir nas navegações ibéricas era arriscado e o lucro incerto, pois até então ninguém desconfiava que elas desencadeariam o desenvolvimento do capitalismo comercial. Espanha e Portugal assumiram a paternidade do Novo Mundo e a Santa Madre Igreja foi o suporte básico do assentamento de todo este projeto de colonização. Assim, o pensamento cristão adaptou-se à política expansionista enquanto os demais comerciantes europeus viam a navegação, e principalmente o saque e o contrabando, como alternativas melhores à tarefa de colonizar.

Em abril de 1500 antes que a armada do fidalgo Pedro Álvares Cabral desembarcasse na então Ilha de Vera Cruz, chamada por seus habitantes de Pindorama (Terra das Palmeiras), o primeiro contanto com os nativos se deu com a subida de dois deles, falantes da língua tupi antiga, à bordo do principal navio da frota portuguesa. Foi Pero Vaz de Caminha quem registrou a festa de recepção regada à agrados e comidas. Estes dois indígenas foram os primeiros de muitos a conhecerem os hábitos e costumes do Velho Mundo que se deu pela gastronomia, pelo modo de pensar e pela utilização de plantas, animais, tecnologia, etc.


Quando as grandes navegações retornaram para a Europa com o conhecimento de que a Terra era redonda e a partir da racionalidade desenvolvida com a matemática e geometria, o mapeamento do mundo atestou o domínio da Europa sobre os demais habitantes do globo. O mapa-múndi consistia no desenho de uma imagem à partir de um único ponto, assim como a recém conquistada perspectiva científica necessitava do ponto de fuga para representar o espaço de forma que simulasse perfeitamente a realidade. Mesmo que a perspectiva já tivesse sido intuitivamente experimentada por artistas anteriores à este período, foi somente com Filippo Brunelleschi que ela atingiu sua exatidão matemática conferindo a ilusão de profundidade num suporte bidimensional.

Ao passo que os artistas renascentistas definiam a perspectiva e os conceitos de equilíbrio, harmonia e clareza em suas composições, os nossos índios não haviam nem chegado à Idade do Bronze. Antes de Cabral, os indígenas desconheciam a domesticação de animais, a escrita e a arquitetura em pedra, porém, eram desenvolvedores de uma arte alegre e utilitária. Estas manifestações artísticas e estéticas representavam as tradições da comunidade em que estavam inseridas, diversificando assim de uma tribo para a outra, e nos são apresentadas majoritariamente em forma de pintura corporal, arte plumária e cerâmica com destaque para as fase Marajoara e cultura Santarém expostas atualmente no Museu Paraense Emílio Goeldi.


Referências:
Graça Proença. HISTÓRIA DA ARTE. Sem ano (PDF).

Janice Theodoro da Silva. DESCOBRIMENTOS E COLONIZAÇÃO. São Paulo, 1987 (Livro).


Leandro Narloch. GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL. São Paulo, 2011 (Livro).


domingo, 12 de abril de 2015

Extravagâncias no renascimento da arte

O início da Idade Moderna se dá, tradicionalmente, a partir da conquista de Bizâncio - ou Constantinopla -, capital do Império Romano do Oriente, pelo Império Otomano em 1453. Com a transição do século quinze para o dezesseis começa a surgir na Europa uma descredibilidade na estrutura religiosa da Igreja Católica. O abalo deste sistema que predominou na Idade Média se deu pelas crises morais dos papas, bispos e sacerdotes, pelas indulgências, pelo nepotismo, dentre outras imoralidades do clero em geral. Neste cenário, o humanismo emerge trazendo consigo o renascimento do cidadão europeu, conhecedor agora da autonomia, da liberdade e do senso ético.

O início do século dezesseis, chamado de Cinquecento na Itália, foi o período que se destacaram os mestres famosos das escolas de Florença, Roma e Veneza. Sendo este período também conhecido como o mais célebre da arte italiana, a saber, pelas figuras de Brunelleschi, Michelangelo, Donatello, Leonardo da Vinci, Rafael Sanzio, Tintoretto, entre outros. Ao redescobrirem a arte clássica greco-romana os mestres italianos se tornaram primorosos na perspectiva científica, na anatomia da figura humana e nos conhecimentos das formas arquitetônicas. Estas descobertas acabaram sendo propagadas para a Alemanha de Albrecht Dürer e Países Baixos de Hieronymus Bosch.


Entretanto, Bosch, conhecido por ser o maior artista da região nesse período, não deixou ser levado pelo emergente estilo moderno advindo da Toscana. O primeiro biógrafo a escrever sobre este mestre flamengo foi Giorgio Vasari e desde essa época, a crítica já considerava a extravagância das composições como característica predominante em suas obras. Na arte de Bosch, nascem criaturas assustadoras e terríveis amálgamas de homem e animal, paisagens fantásticas e alegorias demoníacas que nunca haviam sido vistas antes e as quais demarcam nitidamente o afastamento das formas apresentadas durante a Idade Média. Este marco que o artista alcançou ao retratar os medos do homem medieval naquele momento em que o espírito moderno se infiltrava pelas brechas das antigas ideias que continuavam em voga, fez sua pintura não ser muita aceita e nem compreendida pelos intelectuais da época. 

Erasmo de Roterdão, eminente filósofo da Renascença, embora nunca tivesse mencionado o pintor em seus escritos, se posicionava contra as composições pictóricas que não retratavam adequadamente a vida de Cristo nas paredes das igrejas. Bosch, sem deixar de ser cristão, certamente foi um destes atrevidos que renovou a maneira de representar a esfera espiritual. Outro marco essencial para o mestre foi alcançar o berço da arte renascentista, mais especificamente em Veneza, região onde até hoje encontra-se algumas de suas obras evidenciando sua distinção dos mestres italianos. Aqui no Brasil, a pintura intitulada "As Tentações de Santo Antão" foi adquirida por Assis Chateaubrind e atualmente pode ser encontrada no acervo do Museu de Arte de São Paulo, o MASP.


Referências:
Coleção Grandes Mestres. BOSCH. São Paulo, 2011 (Livro).

Ernst Hans Gombrich. A HISTORIA DA ARTE. Rio de Janeiro, 2013 (Livro).

Luiz Ferrcine. ERASMO DE ROTTERDAM: O MAIS EMINENTE FILÓSOFO DA RENASCENÇA. São Paulo, 2011 (Livro).


sexta-feira, 10 de abril de 2015

De Malungo pra Malungo


Seguindo a série de homenagens à músicos, publicamos em nosso Instagram* esta ilustração em formato digital representando o malungo Chico Science. Tentamos evidenciar a inquietude do personagem e a policromia cultural de Pernambuco retratando o antenado mangueboy mandando brasa num movimento corporal em frente à uma textura semelhante às peles dos batuques do Manguebeat. Abaixo um vídeo do artista apresentando seu suingue ao lado da potente Nação Zumbi.



*Confira aqui: https://instagram.com/p/1Tz-WlFuVB/?taken-by=laudanoartes

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O apocalipse da Idade Média

Desde as primeiras manifestações cristãs nas catacumbas romanas até a Igreja Católica finalmente perceber a importância e força das visualidades para arrebatar fiéis passaram-se séculos. A arte medieval voltada para a filosofia e teologia fortaleceu as instituições oficiais do Cristianismo onde até mesmo as concepções arquitetônicas dos templos traz exemplo das manifestações ligadas à fé cristã deste período que chamamos de Idade Média. Situado entre o século V e XV de nossa era, iremos propor seu apocalipse - no sentido grego de revelar/desvendar - assim sendo, sua revelação por meio da investigação de seu contexto histórico, cultural e imagético. 

Pelas ruas de Roma ou de qualquer outra cidade ocidental do século IX o povo vivia num período de trevas. As condições de vida eram precárias para os cidadãos que frequentemente sujos, com cabelos cumpridos e ensebados, tomavam um ou no máximo dois banhos anuais. Era neste mundo de varíola, pulgas e percevejos que a sociedade medieval se dividia basicamente em senhores, religiosos e vassalos. Dentro dos feudos o povo era predominantemente analfabeto e sua devoção religiosa na verdade sustentava os luxos dos nobres e clérigos. A arte realizada neste período não representava esta situação deplorável, mas por serem encomendados pelos membros do Clero, e em sua maior parte compostos dentro das igrejas, as visualidades medievais propagavam a fé cristã recorrendo ao contraste do bem e do mal. De um lado se via a beleza dos anjos no paraíso e do outro a escuridão e o calor do hades utilizados para conter as ambições do povo, pois este controle social foi mantido pelo imaginário de que as pessoas que tivessem uma conduta incorreta iriam para o Inferno.


Na intenção de exaltar a diferença entre o bem e o mal, a iconografia do Diabo e a espacialidade foram estimuladas na criação de uma relação de medo e obediência nas obras sacras. Geralmente os anjos e escolhidos de Deus são alocados do centro pra cima das obras, preferencialmente dispostos à direita de Cristo, enquanto as figuras dos condenados e pecadores são dispostos no canto inferior esquerdo, na maioria das vezes nus, distorcidos, contorcidos e diminuídos em relação aos homens santos. Deste modo, os temas recorrentes nas pinturas eram o Apocalipse e o Juízo Final. O primeiro ganhou popularidade entre os séculos VIII e X, e também simbolizava a Igreja na luta contra suas dissidências internas, enquanto o segundo se destacou na luta da Igreja contra os inimigos externos, dentro da lógica da Inquisição, na qual quem não apoiava o Papa e o Imperador eram acusados de amigos do Diabo.

Mesmo que este período seja considerado de trevas, também foi palco da aparição das três expressões artísticas medievais, conhecidas por bizantina, românica e gótica, principalmente ligadas à arquitetura na forma com que erguiam suas basílicas e catedrais. Outros suportes frequentes que estas expressões se apresentam até hoje são através de mosaicos, vitrais multicoloridos, painéis de madeira e iluminuras. Estas expressões da arte medieval cumpriram os anseios e objetivos da Igreja em provocar nos fiéis um misto de fascinação e medo, trazendo os personagens das Escrituras para a esfera do visível. Deste modo, ainda que controlassem as produções e a vida dos cidadãos comuns, não extinguiram sua imaginação, do contrário, abriram as portas para a visualidade ao transformar a maneira do homem ver o mundo e assim permitir o seu renascimento.


Referências:
Márcia Schmitt Veronezi Cappelari. A ARTE DA IDADE MÉDIA COMO CONSTRUTORA DE UM CONCEITO VISUAL DE MAL. Revista Mirabilia 12. 2011 (Artigo)


quinta-feira, 2 de abril de 2015

DBS e tal


Com o intuito de tornar as produções da Láudano Artes visíveis de uma forma mais dinâmica, criamos uma conta no Instagram*. Na imagem, fizemos uma homenagem ao rapper DBS, originalmente integrante da Família RZO e o qual fez uma participação no disco do finado rapper Sabotage, na música Respeito é pra quem tem. Confira o vídeo da música abaixo:


*Acesse neste endereço: https://instagram.com/laudanoartes/