segunda-feira, 6 de abril de 2015

O apocalipse da Idade Média

Desde as primeiras manifestações cristãs nas catacumbas romanas até a Igreja Católica finalmente perceber a importância e força das visualidades para arrebatar fiéis passaram-se séculos. A arte medieval voltada para a filosofia e teologia fortaleceu as instituições oficiais do Cristianismo onde até mesmo as concepções arquitetônicas dos templos traz exemplo das manifestações ligadas à fé cristã deste período que chamamos de Idade Média. Situado entre o século V e XV de nossa era, iremos propor seu apocalipse - no sentido grego de revelar/desvendar - assim sendo, sua revelação por meio da investigação de seu contexto histórico, cultural e imagético. 

Pelas ruas de Roma ou de qualquer outra cidade ocidental do século IX o povo vivia num período de trevas. As condições de vida eram precárias para os cidadãos que frequentemente sujos, com cabelos cumpridos e ensebados, tomavam um ou no máximo dois banhos anuais. Era neste mundo de varíola, pulgas e percevejos que a sociedade medieval se dividia basicamente em senhores, religiosos e vassalos. Dentro dos feudos o povo era predominantemente analfabeto e sua devoção religiosa na verdade sustentava os luxos dos nobres e clérigos. A arte realizada neste período não representava esta situação deplorável, mas por serem encomendados pelos membros do Clero, e em sua maior parte compostos dentro das igrejas, as visualidades medievais propagavam a fé cristã recorrendo ao contraste do bem e do mal. De um lado se via a beleza dos anjos no paraíso e do outro a escuridão e o calor do hades utilizados para conter as ambições do povo, pois este controle social foi mantido pelo imaginário de que as pessoas que tivessem uma conduta incorreta iriam para o Inferno.


Na intenção de exaltar a diferença entre o bem e o mal, a iconografia do Diabo e a espacialidade foram estimuladas na criação de uma relação de medo e obediência nas obras sacras. Geralmente os anjos e escolhidos de Deus são alocados do centro pra cima das obras, preferencialmente dispostos à direita de Cristo, enquanto as figuras dos condenados e pecadores são dispostos no canto inferior esquerdo, na maioria das vezes nus, distorcidos, contorcidos e diminuídos em relação aos homens santos. Deste modo, os temas recorrentes nas pinturas eram o Apocalipse e o Juízo Final. O primeiro ganhou popularidade entre os séculos VIII e X, e também simbolizava a Igreja na luta contra suas dissidências internas, enquanto o segundo se destacou na luta da Igreja contra os inimigos externos, dentro da lógica da Inquisição, na qual quem não apoiava o Papa e o Imperador eram acusados de amigos do Diabo.

Mesmo que este período seja considerado de trevas, também foi palco da aparição das três expressões artísticas medievais, conhecidas por bizantina, românica e gótica, principalmente ligadas à arquitetura na forma com que erguiam suas basílicas e catedrais. Outros suportes frequentes que estas expressões se apresentam até hoje são através de mosaicos, vitrais multicoloridos, painéis de madeira e iluminuras. Estas expressões da arte medieval cumpriram os anseios e objetivos da Igreja em provocar nos fiéis um misto de fascinação e medo, trazendo os personagens das Escrituras para a esfera do visível. Deste modo, ainda que controlassem as produções e a vida dos cidadãos comuns, não extinguiram sua imaginação, do contrário, abriram as portas para a visualidade ao transformar a maneira do homem ver o mundo e assim permitir o seu renascimento.


Referências:
Márcia Schmitt Veronezi Cappelari. A ARTE DA IDADE MÉDIA COMO CONSTRUTORA DE UM CONCEITO VISUAL DE MAL. Revista Mirabilia 12. 2011 (Artigo)


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